Aborto Necessário
O aborto necessário pode ser assim definido: é a interrupção artificial da
gravidez para conjurar perigo certo, e inevitável, por outro modo, à vida da
gestante. O aborto necessário pode ser terapêutico (curativo ou profilático
[preventivo]). Durante a gravidez, apresenta-se às vezes, em razão do estado da
mulher ou de alguma enfermidade intercorrente, séria e grave complicação
mórbida, pondo em risco a vida da gestante. Em tal situação, o médico
assistente é o árbitro a quem cabe decidir sobre a continuidade ou não do
processo da gravidez. A lei como que abdica nele, em relação ao feto, o jus
necis et vitae. A ele incumbe averiguar se a incompatibilidade entre a
moléstia em ato e o estado de gravidez é de molde a acarretar a morte (não
apenas dano à saúde) da gestante: no caso afirmativo, lhe é permitido
interromper a gravidez, com o sacrifício do feto. Também se apresenta a
necessidade do aborto quando existem vícios pélvicos ou outros obstáculos no
conduto vaginal que impossibilitem o parto sem grave perigo da vida da mãe. Se
o feto se acha em condição de maturidade tal que permita a sua vida
extra-uterina, o médico deve procurar salvar, ao mesmo tempo, a mãe e o filho,
praticando a operação cesariana ou a sinfisiotomia.
Aborto Sentimental
Outra modalidade de aborto legal é da mulher engravidada em razão de
estupro: nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma
maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o
horrível episódio da violência sofrida. Segundo Binding, seria profundamente
iníqua a "terrível exigência do direito, de que a mulher suporte o fruto
de sua involuntária desonra".
Na prática, para evitar abusos, o médico só deve agir mediante prova
concludente do alegado estupro, salvo se o fato é notório ou se já existe
sentença judicial condenatória do estuprador. Entretanto, se o conhecimento de
alguma circunstância foi razoavelmente suficiente para justificar a credulidade
do médico, nenhuma culpa terá este, no caso de verificar-se posteriormente a
inverdade da alegação, a gestante respondendo somente, no caso, criminalmente.
Nos casos de violência ficta ou presumida (art. 224 do CP), a própria
gravidez, via de regra, constitui a prova evidente do estupro. Para sua própria
segurança, deverá o médico obter o consentimento da gestante ou de seu
representante legal, por escrito ou perante testemunhas idôneas. Se existe, em
andamento, processo criminal contra o estuprador, seria ideal consultar o juiz
e o representante do MP, cuja aprovação não deveria ser recusada, desde que
houvesse indícios suficientes para a prisão preventiva do acusado.
Aborto Eugênico
É aquele praticado na presunção de que o futuro filho herdaria dos pais
doenças ou anormalidades físicas ou mentais. Permite-o a legislação de diversos
países. No Brasil, a permissão a esse tipo de aborto jamais encontrou guarida.
Valem para recusar proteção legal ao aborto eugênico as mesmas razões
expostas sobre a esterilização de anormais. Com efeito, não há qualquer
princípio científico definitivamente assentado que permita adivinhar, no feto
ou no embrião, um futuro ente anormal. O fato de serem os pais portadores de
anomalias físicas ou mentais, ou possuidores de doenças transmissíveis por
herança, não é o bastante para fundamentar qualquer hipótese incontroversa de
descendência anormal.
O aborto eugênico não é, no direito pátrio, sequer uma causa de escusa
absolutória. É um ilícito, como todo aborto direto. É, ademais, um crime, pois,
em qualquer circunstância, é uma ação típica, antijurídica e culpável, na
medida em que apenas o aborto "necessário" e o aborto
"sentimental" constituem hipóteses legais de escusa absolutória.
É firme, neste ponto, a doutrina penal brasileira. Magalhães Noronha diz, a
propósito, que o aborto eugenésico não é acolhido em nossa lei "Não admite
ela a cessação da gestação, no caso de possível deformidade da criatura que
está para nascer, e convenhamos que a autorização, nesse caso, não deixaria de
ser perigosa. Por identidade de razão, deveria ela ser estendida a outras
hipóteses, como doença infecciosa da gestante, que podem produzir conseqüências
danosas para o feto. A admissibilidade se tornaria ampla e por isso mesmo
perigosa: acabaria por degenerar, tornando a exceção regra.
Cumpre notar igualmente a falibilidade do prognóstico: no caso concreto, não
haverá fatalidade do efeito pernicioso no ente em formação: é mais uma razão
para não se admitir sua morte antecipada.
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