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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE SEGUNDO O MINISTRO CELSO DE MELLO


 O ministro Celso de Mello, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 514/PI (Informativo 499/2008), analisou o significado de bloco de constitucionalidade para efeito de fiscalização normativa abstrata e, por conseguinte, da admissibilidade, ou não, da própria ação direta (ou da ação declaratória de constitucionalidade).

EMENTA: FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA. REVOGAÇÃO TÁCITA DE UMA DAS NORMAS LEGAIS IMPUGNADAS E MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL DO PARÂMETRO DE CONTROLE INVOCADO EM RELAÇÃO AOS DEMAIS DIPLOMAS LEGISLATIVOS QUESTIONADOS. HIPÓTESES DE PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA, QUANDO SUPERVENIENTES AO SEU AJUIZAMENTO. 

A NOÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE/INCONSTITUCIONALIDADE COMO CONCEITO DE RELAÇÃO. A QUESTÃO PERTINENTE AO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS DIVERGENTES EM TORNO DO SEU CONTEÚDO. O SIGNIFICADO DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO FATOR DETERMINANTE DO CARÁTER CONSTITUCIONAL, OU NÃO, DOS ATOS ESTATAIS. IMPUGNAÇÃO GENÉRICA DEDUZIDA EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO. INADMISSIBILIDADE. DEVER PROCESSUAL, QUE INCUMBE AO AUTOR DA AÇÃO DIRETA, DE FUNDAMENTAR, ADEQUADAMENTE, A PRETENSÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. SITUAÇÃO QUE LEGITIMA O NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA. PRECEDENTES. 

- A revogação superveniente do ato estatal impugnado, ainda que tácita, faz instaurar situação de prejudicialidade, que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade. Precedentes. 
- Não se conhece da ação direta, sempre que a impugnação nela veiculada revelar-se destituída de fundamentação jurídica ou desprovida de motivação idônea e adequada. Em sede de fiscalização normativa abstrata, não se admite impugnação meramente genérica de inconstitucionalidade, tanto quanto não se permite que a alegação de contrariedade ao texto constitucional se apóie em argumentos superficiais ou em fundamentação insuficiente. Lei nº 9.868/99, art. 4º, “caput”. Precedentes.
 - A definição do significado de bloco de constitucionalidade – independentemente da abrangência material que se lhe reconheça (a Constituição escrita ou a ordem constitucional global) – reveste-se de fundamental importância no processo de fiscalização normativa abstrata, pois a exata qualificação conceitual dessa categoria jurídica projeta-se como fator determinante do caráter constitucional, ou não, dos atos estatais contestados em face da Carta Política.
 - A superveniente alteração/supressão das normas, valores e princípios que se subsumem à noção conceitual de bloco de constitucionalidade, por importar em descaracterização do parâmetro constitucional de confronto, faz instaurar, em sede de controle abstrato, situação configuradora de prejudicialidade da ação direta, legitimando, desse modo – ainda que mediante decisão monocrática do Relator da causa (RTJ 139/67) -, a extinção anômala do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. Doutrina. Precedentes. 
DECISÃO: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Governador do Estado do Piauí, com o objetivo de impugnar a validade jurídico-constitucional dos arts. 2º, “caput” e inciso V, 5º, 62 e 158 da Lei Complementar nº 2/1990; dos arts. 4º, § 2º, e 58 da Lei Complementar nº 3/1990; dos arts. 12, 17, e 28 da Lei Complementar nº 4/1990, todas editadas por essa unidade da Federação. 
O eminente Procurador-Geral da República, em seu douto parecer (fls. 264/269), pronunciou-se pela extinção deste processo de controle normativo abstrato, fazendo-o em parecer que tem, no ponto, a seguinte fundamentação (fls. 267/269): 
“6. Preliminarmente, verifica-se a prejudicialidade da ação quanto à impugnação a) dos artigos 2º, ‘caput’; e 62, da Lei Complementar nº 02/1990; b) dos artigos 4º, § 2º e 58, da Lei Complementar nº 03/1990; e, finalmente, c) do artigo 17, da Lei Complementar nº 04/1990 – que foram substancialmente alterados pelas Leis Complementares Estaduais nº 09/1992, nº 11/1993 e nº 12/1993.
7. No tocante ao art. 5º, da Lei Complementar nº 02/1990, também impugnado na presente ação, cumpre esclarecer que a norma nele inserta – que submetia à apreciação do Poder Legislativo a proposta orçamentária do Ministério Público – restou tacitamente revogada, porquanto não foi reproduzida na Lei Complementar nº 12/1993, que passou a estabelecer as normas de organização e funcionamento do Ministério Público do Estado do Piauí.
8. A presente ação direta também se encontra prejudicada quanto à impugnação do inciso V, do art 2º, da Lei Complementar nº 02/1990, uma vez que o parâmetro de constitucionalidade supostamente violado, o § 2º do art. 127 da Constituição Federal, sofreu alteração substancial em seu conteúdo com o advento da Emenda Constitucional nº 19, de 5 de junho de 1998, passando a vigorar com a seguinte redação: 
‘Art. 127 (…)
§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 129, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.’ 
9. O mesmo se verifica quanto à impugnação do art. 28, da Lei Complementar nº 04/1990, pois a norma inserta no artigo 93, VI, da Constituição Federal, supostamente violada, também foi substancialmente alterada com a edição da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, tornando inviável o controle concentrado da norma em face desse dispositivo constitucional.
10. Quanto à impugnação da expressão ‘e remuneração’ contida no art. 12, da LC nº 04/1990, cumpre, inicialmente, esclarecer que, embora este artigo tenha sido alterado pela LC nº 09/1992, a expressão impugnada foi mantida, razão pela qual não se verifica prejudicado o pedido quanto a esse dispositivo. Eis o teor do dispositivo ora em vigor: 
‘Art. 12 – O Advogado Geral do Estado é o Chefe da Advocacia Geral do Estado e da Procuradoria Geral do Estado, com prerrogativas e remuneração de Secretário de Estado, nomeado em comissão pelo Governador, dentre maiores de trinta anos, de notório saber jurídico e reputação ilibada.’ (…). 
11. Verifica-se, entretanto, que não merece ser conhecida a ação quanto à impugnação do artigo 12 da Lei Complementar nº 04/1990, porquanto não expôs o requerente os fundamentos jurídicos do pedido com relação ao mencionado dispositivo infraconstitucional, limitando-se a transcrevê-lo sem sequer apontar a norma constitucional supostamente violada.
12. Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo não-conhecimento da ação quanto à impugnação do artigo 12, da Lei Complementar nº 04/1990; e, em relação aos demais dispositivos hostilizados, pela prejudicialidade da presente ação direta de inconstitucionalidade.” (grifei) 
Sendo esse o contexto, entendo aplicável, à espécie, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, cujas reiteradas decisões, no tema, têm reconhecido a ocorrência de prejudicialidade da ação direta, quando, após o seu ajuizamento, sobrevém a cessação de eficácia das normas questionadas em referido processo objetivo, como sucedeu, no caso, com o art. 5º da Lei Complementar estadual nº 02/90. 
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a propósito de tal situação, tem enfatizado que a superveniente cessação de eficácia dos atos estatais impugnados em ação direta de inconstitucionalidade provoca a extinção anômala do processo de controle normativo abstrato, independentemente da existência de efeitos residuais concretos que possam ter derivado da aplicação dos diplomas questionados (RTJ 153/13 – RTJ 154/396-397 – RTJ 154/401 – RTJ 156/29 – RTJ 160/145 – RTJ 174/80-81, v.g.): 
“- A cessação superveniente da eficácia da lei argüída de inconstitucional inibe o prosseguimento da ação direta de inconstitucionalidade (…).
- A extinção anômala do processo de controle normativo abstrato, motivada pela perda superveniente de seu objeto, tanto pode decorrer da revogação pura e simples do ato estatal impugnado, como do exaurimento de sua eficácia, tal como sucede nas hipóteses de normas legais destinadas à vigência temporária.”
(RTJ 152/731-732, Rel. Min. CELSO DE MELLO) 
“A revogação superveniente do ato estatal impugnado faz instaurar situação de prejudicialidade que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, eis que a ab-rogação do diploma normativo questionado opera, quanto a ele, a sua exclusão do sistema de direito positivo, causando, desse modo, a perda ulterior de objeto da própria ação direta, independentemente da ocorrência, ou não, de efeitos residuais concretos.”
(RTJ 195/752-754, 754, Rel. Min. CELSO DE MELLO) 
Também tem razão o eminente Procurador-Geral da República, quando acentua a prejudicialidade desta ação direta em decorrência de substancial alteração introduzida pela superveniente promulgação das Emendas Constitucionais nºs 19/98 e 20/98, cujo teor modificou o próprio parâmetro de controle alegadamente transgredido – segundo sustenta o autor – pelos diplomas legislativos em questão. 
Tratando-se de fiscalização normativa abstrata, a questão pertinente à noção conceitual de parametricidade – vale dizer, do atributo que permite outorgar, à cláusula constitucional, a qualidade de paradigma de controle – desempenha papel de fundamental importância na admissibilidade, ou não, da própria ação direta (ou da ação declaratória de constitucionalidade), consoante já enfatizado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 176/1019-1020, Rel. Min. CELSO DE MELLO). 
Isso significa, portanto, que a idéia de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade), por encerrar um conceito de relação (JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II, p. 273/274, item n. 69, 2ª ed., Coimbra Editora Limitada) – que supõe, por isso mesmo, o exame da compatibilidade vertical de um ato, dotado de menor hierarquia, com aquele que se qualifica como fundamento de sua existência, validade e eficácia – torna essencial, para esse específico efeito, a identificação do parâmetro de confronto, que se destina a possibilitar a verificação, “in abstracto”, da legitimidade constitucional de certa regra de direito positivo, a ser necessariamente cotejada em face da cláusula invocada como referência paradigmática. 
A busca do paradigma de confronto, portanto, significa, em última análise, a procura de um padrão de cotejo que permita, ao intérprete, o exame da fidelidade hierárquico-normativa de determinado ato estatal, contestado em face da Constituição. 
Sendo assim, e quaisquer que possam ser os parâmetros de controle que se adotem – a Constituição escrita, de um lado, ou a ordem constitucional global, de outro (LOUIS FAVOREU/FRANCISCO RUBIO LLORENTE, “El bloque de la constitucionalidad”, p. 95/109, itens ns. I e II, 1991, Civitas; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 712, 4ª ed., 1987, Almedina, Coimbra, v.g.) -, torna-se essencial, para fins de viabilização do processo de controle normativo abstrato, que tais referências paradigmáticas encontrem-se, ainda, em regime de plena vigência, pois, como precedentemente assinalado, o controle de constitucionalidade, em sede concentrada, não se instaura, em nosso sistema jurídico, em função de paradigmas históricos, consubstanciados em normas que já não mais se acham em vigor, ou, embora vigendo, tenham sofrido alteração substancial em seu texto. 
É por tal razão que, em havendo a revogação superveniente (ou a modificação substancial) da norma de confronto, não mais se justificará a tramitação do processo objetivo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. 
Bem por isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde o regime constitucional anterior, tem proclamado que tanto a superveniente revogação global da Constituição da República (RTJ 128/515 – RTJ 130/68 – RTJ 130/1002 – RTJ 135/515 – RTJ 141/786), quanto a posterior derrogação (ou alteração substancial) da norma constitucional (RTJ 168/436 – RTJ 169/834 – RTJ 169/920 – RTJ 171/114 – RTJ 172/54-55 – RTJ 179/419 – ADI 296/DF – ADI 595/ES – ADI 905/DF – ADI 906/PR – ADI 1.120/PA – ADI 1.137/RS – ADI 1.143/AP – ADI 1.300/AP – ADI 1.510/SC – ADI 1.885-QO/DF), por afetarem o paradigma de confronto invocado no processo de controle concentrado de constitucionalidade, configuram hipóteses caracterizadoras de prejudicialidade da ação direta ou da ação declaratória, em virtude da evidente perda de seu objeto: 
“II – Controle direto de constitucionalidade: prejuízo.
Julga-se prejudicada, total ou parcialmente, a ação direta de inconstitucionalidade no ponto em que, depois de seu ajuizamento, emenda à Constituição haja abrogado ou derrogado norma de Lei Fundamental que constituísse paradigma necessário à verificação da procedência ou improcedência dela ou de algum de seus fundamentos, respectivamente: orientação de aplicar-se no caso, no tocante à alegação de inconstitucionalidade material, dada a revogação primitiva do art. 39, § 1º, CF 88, pela EC 19/98.”
(RTJ 172/789-790, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei) 
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 3310/99. COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE INATIVOS E PENSIONISTAS. EC 41/2003. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO SISTEMA PÚBLICO DE PREVIDÊNCIA. PREJUDICIALIDADE.
………………………………………………
2. Superveniência da Emenda Constitucional 41/2003, que alterou o sistema previdenciário. Prejudicialidade da ação direta quando se verifica inovação substancial no parâmetro constitucional de aferição da regra legal impugnada. Precedentes.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada.”
(ADI 2.197/RJ, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – grifei) 
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INSTRUMENTO DE AFIRMAÇÃO DA SUPREMACIA DA ORDEM CONSTITUCIONAL. O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO LEGISLADOR NEGATIVO. A NOÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE/INCONSTITUCIONALIDADE COMO CONCEITO DE RELAÇÃO. A QUESTÃO PERTINENTE AO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS DIVERGENTES EM TORNO DO SEU CONTEÚDO. O SIGNIFICADO DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO FATOR DETERMINANTE DO CARÁTER CONSTITUCIONAL, OU NÃO, DOS ATOS ESTATAIS. NECESSIDADE DA VIGÊNCIA ATUAL, EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO, DO PARADIGMA CONSTITUCIONAL ALEGADAMENTE VIOLADO. SUPERVENIENTE MODIFICAÇÃO/SUPRESSÃO DO PARÂMETRO DE CONFRONTO. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA.
- A definição do significado de bloco de constitucionalidade – independentemente da abrangência material que se lhe reconheça – reveste-se de fundamental importância no processo de fiscalização normativa abstrata, pois a exata qualificação conceitual dessa categoria jurídica projeta-se como fator determinante do caráter constitucional, ou não, dos atos estatais contestados em face da Carta Política.
- A superveniente alteração/supressão das normas, valores e princípios que se subsumem à noção conceitual de bloco de constitucionalidade, por importar em descaracterização do parâmetro constitucional de confronto, faz instaurar, em sede de controle abstrato, situação configuradora de prejudicialidade da ação direta, legitimando, desse modo – ainda que mediante decisão monocrática do Relator da causa (RTJ 139/67) – a extinção anômala do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. Doutrina. Precedentes.”
(ADI 595/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “Informativo/STF” nº 258/2002) 
Cumpre ressaltar, por necessário, que essa orientação jurisprudencial reflete-se no próprio magistério da doutrina (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 225, item n. 3.2.6, 2ª ed., 2000, RT; OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade – Conceitos, Sistemas e Efeitos”, p. 219, item n. 9.9.17, 2ª ed., 2001, RT; GILMAR FERREIRA MENDES, “Jurisdição Constitucional”, p. 176/177, 2ª ed., 1998, Saraiva), cuja percepção do tema ora em exame põe em destaque, em casos como o destes autos, que a superveniente alteração da norma constitucional revestida de parametricidade importa na configuração de prejudicialidade do processo de controle abstrato de constitucionalidade, eis que, como enfatizado, o objeto do processo de fiscalização abstrata resume-se, em essência, ao controle da integridade da ordem constitucional vigente. 
Vê-se, desse modo, que a promulgação das Emendas Constitucionais nºs 19/98 e 20/98, ocorrida em momento posterior ao do ajuizamento da presente ação direta, importou em alteração substancial das cláusulas de parâmetro invocadas para justificar a instauração deste processo de controle normativo abstrato, ensejando, assim, o reconhecimento – tal como preconizado pelo eminente Procurador-Geral da República – de uma típica situação caracterizadora de prejudicialidade apta a gerar a extinção anômala desta causa. 
Resta verificar, agora, se se revela viável, processualmente, a impugnação genérica deduzida contra o art. 12 da Lei Complementar nº 04/90, editada pelo Estado do Piauí. 
O eminente Procurador-Geral da República, ao opinar pelo não-conhecimento desta ação direta quanto a referido preceito normativo, enfatizou, com razão, que o autor, ao deduzir a sua pretensão de inconstitucionalidade, “não expôs (…) os fundamentos jurídicos do pedido com relação ao mencionado dispositivo infraconstitucional, limitando-se a transcrevê-lo, sem sequer apontar a norma constitucional supostamente violada” (grifei). 
Cumpre ter presente, neste ponto, considerado o que dispõe o art. 3o, I, da Lei nº 9.868/99, que não se conhece da ação direta, sempre que a impugnação nela deduzida revelar-se destituída de fundamentação jurídica, tal como ocorre, no caso, em relação ao art. 12, “caput”, da Lei Complementar nº 04/90. 
Cabe ressaltar, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que nada pode justificar uma alegação meramente genérica de ofensa à Constituição, pois incumbe, a quem faz tal afirmação, o dever de indicar, fundamentadamente, as razões justificadoras do suposto vício de inconstitucionalidade. 
O Senhor Governador do Estado do Piauí, ao pretender a decretação de inconstitucionalidade do “caput” do art. 12 da Lei Complementar nº 04/90, deixou de fundamentar tal argüição. 
Ao compulsar-se a petição inicial (fls. 02/21), constata-se que o autor simplesmente não expôs qualquer fundamento jurídico que desse suporte à tese da inconstitucionalidade material do “caput” do art. 12 da Lei Complementar nº 04/90. 
É certo que o Supremo Tribunal Federal não está condicionado, no desempenho de sua atividade jurisdicional, pelas razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta. Tal circunstância, no entanto, não suprime, à parte, o dever processual de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio ao princípio da especificação das normas, os dispositivos alegadamente violados pelo ato normativo que pretende impugnar. Impõe-se, ao autor, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, indicar as normas de referência – que são aquelas inerentes ao ordenamento constitucional e que se revestem, por isso mesmo, de parametricidade – em ordem a viabilizar, com apoio em argumentação consistente, a aferição da conformidade vertical dos atos normativos de menor hierarquia. 
Quaisquer que possam ser os parâmetros de controle que se adotem – a Constituição escrita ou a ordem constitucional global (J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 712, 4a ed., 1987, Almedina, Coimbra) -, não pode o autor deixar de referir, para os efeitos mencionados, quais as normas, quais os princípios e quais os valores efetiva ou potencialmente lesados por atos estatais revestidos de menor grau de positividade jurídica, sempre indicando, ainda, os fundamentos, a serem desenvolvidamente expostos, subjacentes à argüição de inconstitucionalidade. 
Esse dever de fundamentar a argüição de inconstitucionalidade onera e incide sobre aquele que faz tal afirmação, assumindo, por isso mesmo, um caráter de indeclinável observância (ADI 561/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO). 
Não cabe, desse modo, ao Supremo Tribunal Federal, substituindo-se ao autor, suprir qualquer omissão que se verifique na petição inicial. Isso porque a natureza do processo de ação direta de inconstitucionalidade, que se revela instrumento de grave repercussão na ordem jurídica interna, impõe maior rigidez no controle dos seus pressupostos formais (RTJ 135/19, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 135/905, Rel. Min. CELSO DE MELLO). 
A magnitude desse excepcional meio de ativação da jurisdição constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal impõe e reclama, até mesmo para que não se degrade em sua importância, uma atenta fiscalização desta Corte, que deve impedir que o exercício de tal prerrogativa institucional, em alguns casos, venha a configurar instrumento de instauração de lides constitucionais temerárias. 
A omissão do autor – que deixou de indicar as razões consubstanciadoras da alegada ilegitimidade constitucional do “caput” do art. 12 da Lei Complementar nº 04/90 – faz com que essa conduta processual incida na restrição fixada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que não admite argüições de inconstitucionalidade, quando destituídas de fundamentação ou desprovidas de motivação específica e suficientemente desenvolvida. 
Considerada a jurisprudência desta Suprema Corte – que deu causa à formulação da regra inscrita no art. 3o, I, da Lei nº 9.868/99 -, não se pode conhecer de ação direta, sempre que a impugnação nela veiculada, como ocorre na espécie, revelar-se destituída de fundamentação ou quando a argüição de inconstitucionalidade apresentar-se precária ou insuficientemente motivada. 
A gravidade de que se reveste o instrumento de controle normativo abstrato impõe, àquele que possui legitimidade para utilizá-lo, o dever processual de sempre expor, de modo suficientemente desenvolvido, as razões jurídicas justificadoras da alegação de inconstitucionalidade. 
É que, em sede de fiscalização concentrada, não se admite afirmação meramente genérica de inconstitucionalidade, tanto quanto não se permite que a alegação de contrariedade ao texto constitucional se apóie em argumentos superficiais ou em fundamentação insuficiente. 
Essa orientação tem prevalecido, em tema de fiscalização normativa abstrata, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, deixou de conhecer de ações diretas, seja por falta de motivação específica, seja por insuficiência ou deficiência da própria fundamentação (RTJ 177/669, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – ADI 561/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.111/DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES): 
“É necessário, em ação direta de inconstitucionalidade, que venham expostos os fundamentos jurídicos do pedido com relação às normas impugnadas, não sendo de admitir-se alegação genérica de inconstitucionalidade sem qualquer demonstração razoável, nem ataque a quase duas dezenas de medidas provisórias em sua totalidade com alegações por amostragem.”
(RTJ 144/690, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei) 
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CAUSA DE PEDIR E PEDIDO – Cumpre ao autor da ação proceder à abordagem, sob o ângulo da causa de pedir, dos diversos preceitos atacados, sendo impróprio fazê-lo de forma genérica. A flexibilidade jurisprudencial de autora não mais se justifica, isso diante do elastecimento constitucional do rol dos legitimados para a referida ação.”
(ADI 1.708/MT, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei) 
“Insuficiência de fundamentação da inicial dado o número de dispositivos legais alterados pela Medida Provisória, sem que se particularize, pontualmente, como convém, a motivação a justificar a declaração de sua invalidade. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, por falta de motivação específica quanto à pretendida declaração de inconstitucionalidade.”
(RTJ 173/466, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – grifei) 
Nem se diga que, em ocorrendo situação como a ora exposta, impor-se-ia ao Tribunal o dever de ensejar, ao autor, a possibilidade de complementar a petição inicial.
Tal providência não se revela processualmente viável, porque a Lei nº 9.868/99 – que dispõe sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade – estabelece que a ausência de fundamentação autoriza o indeferimento liminar da petição inicial, por ocorrência do vício grave da inépcia. 
Na realidade, a Lei nº 9.868/99, ao dispor sobre essa conseqüência de ordem processual, assim prescreve em seu art. 4º, “caput”: “A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator” (grifei). 
Cabe ter presente, no ponto, no sentido desta decisão, o julgamento plenário da ADI 1.775/RJ, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA (RTJ 177/669), na parte em que esta Corte afastou a proposta de que se deveria ensejar, ao autor, a oportunidade de aditar a petição inicial, quando deficientemente fundamentada. 
Sendo assim, e presentes tais razões, não conheço desta ação direta, no ponto em que, sem qualquer fundamentação, o autor questionou a constitucionalidade do “caput” do art. 12 da Lei Complementar nº 04/90, julgando-a prejudicada, de outro lado, no que concerne aos demais preceitos normativos que foram impugnados nesta sede de controle abstrato. 
A inviabilidade da presente ação direta, em decorrência das razões mencionadas, impõe uma observação final: no desempenho dos poderes processuais de que dispõe, assiste, ao Ministro-Relator, competência plena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, legitimando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar. 
Cabe acentuar, neste ponto, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuições do Relator, a competência para negar trânsito, em decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, inviáveis, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175). 
Impõe-se enfatizar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 563/DF, Rel. Min. PAULO BROSSARD – ADI 593/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ADI 2.060/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.207/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.215/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que, tal como já assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento positivo brasileiro “não subtrai, ao Relator da causa, o poder de efetuar – enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) – o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata, o que inclui, dentre outras atribuições, o exame dos pressupostos processuais e das condições da própria ação direta” (RTJ 139/67, Rel. Min. CELSO DE MELLO). 
Sendo assim, em face das razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer do eminente Procurador-Geral da República, não conheço da presente ação direta quanto ao art. 12 da Lei Complementar nº 04/90 do Estado do Piauí, julgando-a prejudicada no que se refere aos demais preceitos normativos ora questionados. Em conseqüência, declaro extinto este processo de controle normativo abstrato, restando insubsistente a medida cautelar anteriormente deferida (fls. 61/110). 
Comunique-se, após o trânsito em julgado da presente decisão. 
Arquivem-se os presentes autos. 
Publique-se. 
Brasília, 24 de março de 2008. 
Ministro CELSO DE MELLO
Relator 

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